CONHECENDO AS CORAJOSAS MENINAS QUE ESTÃO MUDANDO A CARA DO SKATE NA ETIÓPIA
- Vyctor Hugo
- 21 de mai. de 2024
- 5 min de leitura
Atualizado: 24 de mai. de 2024
Através de um grupo feminino formado principalmente por adolescentes, as meninas estão encontrando equilíbrio em seus skates enquanto quebram estereótipos e lutam contra o bullying e o sexismo
Poucos dias depois de Helina Solomon ter dominado o controle e o equilíbrio na prancha, ela se viu em um terreno igualmente irregular. Em uma pista de skate, seu primeiro grande obstáculo não foram as rampas altas, mas sua segurança. Sua paixão pelo skate foi questionada e ela se tornou alvo de ataques pessoais e sexuais de alguns meninos que não conseguiam entender como essa adolescente estava tentando mudar a narrativa, rompendo com o "jogo de meninos".
“Não foi fácil. Os meninos na pista de skate intimidavam as skatistas. Elas nos assediavam quando nos viam em cima das pranchas”, disse Solomon em entrevista ao Olympics.com de Addis Abeba. “Eles tentavam pegar nossas skates e às vezes até havia assédio sexual.” Com o tempo, as interações deram a Solomon mais confiança e ela permaneceu nas pranchas, ansiosa para desafiar os ideais culturais profundamente arraigados sobre meninas e mulheres na Etiópia.
Ela ficou ainda mais inspirada para desenvolver o skate em Addis Abeba depois de assistir às Olimpíadas de Tóquio 2020 em 2021, onde o skate estreou como esporte olímpico. A então jovem de 18 anos formou a Set Skateboarding, um grupo feminino que pratica skate principalmente nas ruas da segunda nação mais populosa da África.
OLIMPÍADAS DE TÓQUIO 2020 INSPIRAM SKATISTAS ETÍOPES
Milhares de meninas em todo o mundo assistiram a 20 jovens pioneiras deslizando pelas rampas e corrimões do Parque Ariake de Esportes Urbanos.
Entre elas estavam dezenas de adolescentes da Etiópia, que aplaudiram as pioneiras do skate olímpico e até saíram escondidas para tentar aterrissar algumas das manobras que assistiram na televisão.
Uma dessas jovens era Helina Solomon, cujos pais não compartilhavam da paixão da filha pelo esporte. Era visto como um sinal de rebeldia, indo contra a corrente da comunidade que desencoraja as "boas meninas" de praticar esportes, especialmente um esporte desconhecido praticado principalmente por meninos.
“Aprendi a andar de skate com o meu namorado. Meus pais eram contra eu andar de skate, nossa sociedade não apoia o skate. É visto como um esporte praticado por meninos mal-educados, então foi difícil para uma menina como eu ir contra eles”, relembrou ela sobre seus primeiros dias andando de skate nas ruas.
Já existiam algumas skatistas praticando. Mas o skate feminino, cuja opção principal era o skate de rua, ainda era mal visto no país de forte tradição.
“Para mim, via que os meninos tinham oportunidades que as meninas só sonhavam. Ter minha primeira prancha usada não foi fácil, foi uma doação.”
A cena do skate etíope estava mudando, e a jovem adolescente estava feliz por fazer parte dessa mudança. Durante a pandemia, ela felizmente aproveitou o aumento do skate para promover o esporte e aumentar a representação visual das meninas que estavam presas em casa.
Samrawit Teshome estava entre as influenciadas por Solomon a experimentar um esporte que só via na TV. “Vi a Helina andando de skate e gostei. Perguntei se eu podia tentar, e ela disse, 'vem e tenta'. Continuei indo todos os dias até ficar viciada”, disse Teshome, de 18 anos, cujos pais abraçaram sua nova obsessão e só se preocupavam com sua segurança andando de skate nas ruas.
“Antes só via skate em filmes. Quando tentei, a sensação foi muito boa, algo novo, diferente. Gostei da vibe e do fato de estar vencendo a mentalidade tradicional de que as meninas só precisam ficar em casa ajudando e não praticando esportes. Superar essa cultura tradicional é algo para se orgulhar.”
IRMANDADE DO SKATE QUEBRANDO TABUS
“Na primeira vez na prancha, eu estava com medo, com medo de cair. Depois de dominar o skate, a sensação foi a melhor. Eu me sentia orgulhosa de mim mesma”, disse Yordanos Yohanes, sua companheira de equipe na Set Skateboarding.
“Sempre que eu ando de skate, me sinto livre, sinto que não há nada que eu não possa fazer, nada me impede porque sou menina.” — Yordanos Yohanes.
Ela continuou: "Eu era uma menina quieta que ficava a maior parte do tempo dentro de casa, meus pais eram bem rigorosos e preocupados com a possibilidade de eu ser assediada".
"Mas desde que comecei a andar de skate, me sinto mais corajosa. Sinto que posso fazer as coisas sozinha. Ganhei confiança para enfrentar diferentes aspectos da vida. Eu caio uma vez, me levanto e continuo tentando cada vez mais forte até alcançar meu objetivo".
Apesar de terem encontrado mais paz de espírito, as meninas ainda lutam muito para acabar com o estereótipo de "jogo de meninos" e quebrar o sexismo.
"As pessoas pensam que, como estamos na rua, somos pessoas ruins ou rebeldes com mau comportamento. Elas têm preconceitos errados... não sabem o quanto o skate preencheu o vazio dentro de nós", disseram as meninas sobre o equívoco generalizado da cultura do skate.
"Andando de skate no parque, os meninos nos ridicularizam ou às vezes até pegam nossos skates. Eles acham que isso é coisa deles, não há apoio", acrescentou Solomon sobre a luta delas contra o sexismo.
CRIANDO UM 'ESPAÇO SEGURO' PARA MULHERES APRENDEREM SKATE
O skate agora é visto principalmente na capital, Addis Abeba, que possui duas das cinco pistas de skate do país. As doações de skates por simpatizantes também tornaram o esporte amplamente acessível a centenas de jovens.
Mas a Set Skateboarding, um dos dois únicos grupos femininos na Etiópia, anseia por um 'espaço seguro' dedicado para que mais meninas aprendam o esporte.
"As meninas querem andar de skate, mas quando você diz a elas: 'Vocês têm que vir e andar de skate nas ruas', elas dizem que é perigoso. Nosso maior sonho é ter um espaço seguro onde possamos andar de skate livremente, um parque onde os meninos não vão rir de nós quando cairmos e desanimarmos", detalhou Teshome durante a entrevista.
"Meu desejo é ter muito mais meninas andando de skate, fico feliz em ensiná-las de graça e compartilhar a alegria. Meu sonho é construir um skatepark e ter um lugar seguro para as meninas onde elas dominem a pista", disse Solomon, a fundadora da Set Skateboarding, que aos 20 anos é a mais velha do grupo.
Seu grupo possui 29 membros dedicadas, sendo a mais nova com apenas seis anos de idade. Ela se inspira no sucesso de outro grupo popular, a Ethiopia Skate, que em 2016 financiou coletivamente e construiu a primeira pista de skate da Etiópia em Addis Abeba.
Um sonho ambicioso de impulsionar o skate entre as meninas, despertado pelo sucesso da medalhista de ouro Momiji Nishiya (Japão), Rayssa Leal (Brasil) que conquistou a prata e a terceira colocada Funa Nakayama, também do Japão - as três adolescentes que subiram ao pódio olímpico em Tóquio.
"Eu quero ser profissional... esse é o meu sonho de longo prazo. Ser como Sky Brown um dia, ela conquistou muito", disse Teshome com admiração, falando sobre seu modelo britânico, que se tornou a skatista profissional mais jovem do mundo aos 10 anos.
"No final, um dia, espero fazer parte da seleção nacional de skate e incentivar mais meninas na Etiópia e na África a praticarem o esporte. Mas não se trata apenas do destino, é sobre o caminho. No caminho para cima, quero ajudar meninas, aprender dicas de outras [skatistas] e trocar experiências".
"Meu sonho é ser a prova viva de que você pode fazer qualquer coisa quando acredita e dá uma chance a qualquer menina que queira andar de skate", concluiu Yohannes.